Ela é polêmica desde a sua concepção e deverá gerar controvérsias mesmo depois de pronta. A Via Mangue,
promessa de solução viária para a Zona Sul do Recife, defendida pelos
gestores públicos há pelo menos dez anos, corre sérios riscos de nascer
ultrapassada. Peca por não prever qualquer prioridade ao transporte
coletivo, recomendação de bom senso em tempos de pura imobilidade, e por
não atender à insaciável demanda por espaço dos automóveis, devido a
equívocos de projeção que criaram gargalos viários. O projeto previu um
amplo acesso de chegada à futura via, no sentido Centro-Boa Viagem, mas
esqueceu das opções de retorno. Ou seja, do jeito que está, a Via Mangue
é hoje uma via que vai, mas não volta.
Um dos principais
gargalos do futuro corredor, percebido atualmente e que se prolongará
caso intervenções físicas não sejam realizadas rapidamente para resolver
o problema, é o encontro do túnel da Rua Manoel de Brito, que fica sob a
Avenida Herculano Bandeira,
no Pina, com a Avenida Antônio de Góes, principal saída da Zona Sul em
direção à área central da capital. Construído na segunda gestão do
prefeito João Paulo e símbolo da primeira etapa do projeto viário, a
passagem subterrânea, que deveria eliminar os conflitos de trânsito,
está sendo vítima deles. Engarrafa diariamente não só pelo tráfego
intenso que atrai - o Rio Mar Shopping, inaugurado há 11 meses, é a
razão atual -, mas principalmente pelo erro grosseiro de encontrar-se
com um corredor de tráfego pesado, que deveria ter sido evitado desde
sempre: a Avenida Antônio de Góes. Com o agravante de que essa
interseção é feita com um semáforo. O resultado tem sido ruim e, quando a
Via Mangue ficar pronta, deverá ficar caótico porque os 30 mil veículos
que deverão utilizar a via diariamente passarão por aquele ponto.
Os técnicos confirmam
esse raciocínio. “Não acredito que o túnel esteja completo. É óbvio que
aquela obra não está concluída. Não é uma questão de engenharia, apenas
de bom senso. É uma solução inacabada. O túnel deveria seguir sob a
Avenida Antônio de Góes e acomodar o tráfego nessa mesma via através de
uma alça. Do jeito que está, apenas sob a Avenida Herculano Bandeira,
joga todo o tráfego na confluência com a Antônio de Góes, chocando-se
com os veículos que saem da Zona Sul. Não tem lógica. Está faltando
algo. A presença do RioMar Shopping, de fato, antecipou o problema, mas
ele existiria de qualquer forma mais na frente”, atesta o professor do
departamento de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) Fernando Jordão, que está fazendo doutorado em transportes.
Em reserva, um
ex-integrante das gestões do PT à frente da prefeitura e profundo
conhecedor da Via Mangue confessa que o gargalo criado pela falta de
continuação do túnel foi percebido e alertado desde os projetos iniciais
da futura via, ainda na primeira gestão de João Paulo. A solução não
foi dada por falta de recursos. Ou seja, aquele velho hábito dos
gestores públicos de fazer o que dá, mesmo que não seja o ideal.
“Sabíamos que o túnel precisava ser prolongado até a Avenida Antônio de
Góes, mas o custo, na época, era mais do que o dobro do valor gasto.
Além do custo, havia dificuldades com o licenciamento ambiental e a
necessidade de negociar desapropriações. Sabíamos que não podíamos jogar
o tráfego na Antônio de Góes. Mas era o que dava para fazer. Era melhor
do que não executar nada”, afirma.
Uma solução para
substituir o prolongamento do túnel, também apontada antes do início da
execução da Via Mangue, seria a construção de um elevado na Antônio de
Góes. “Era uma outra opção. Com o elevado, o tráfego que sairia do túnel
passaria por baixo, entraria numa alça e retornaria à avenida, enquanto
os veículos que trafegavam na Antônio de Góes passariam por cima, no
elevado. Dessa forma não haveria o conflito. Mas o custo também era alto
e se deixou para o futuro”, relata.
Pois o futuro chegou e o
momento de encontrar a solução adiada no passado é agora. Todos os dias
são registrados congestionamentos no túnel da Via Mangue. À tarde e à
noite, eles são certos. As retenções se estendem por mais de 500 metros e
os motoristas ainda têm que ficar presos numa rampa, o que é desafio
para muitos. Quando a Via Mangue estiver pronta, o volume de tráfego
será bem maior, o que ampliará os problemas.
Diante desse cenário, o
professor Fernando Jordão faz um alerta, lembrando que os gestores
públicos enganam-se com a justificativa de que não previram ao menos uma
faixa para o transporte coletivo na Via Mangue porque corredores estão
prometidos para as Avenidas Domingos Ferreira e Conselheiro Aguiar. “As
pessoas não vão deixar o carro em casa sabendo que têm uma via expressa
para andar. Você precisa rivalizar o transporte individual e o coletivo,
torná-los concorrentes. Caso contrário, o automóvel vai levar sempre
vantagem. Qualquer benefício ao carro faz com que a pessoa não hesite em
usá-lo. E a Via Mangue será um benefício ao automóvel, o que é um
erro”, avalia.
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